ariana
tinha apenas nove anos quando começou a sentir que algo nela era “diferente”,
e, quando digo diferente, não era por lhe dizerem que era a menina mais bonita
da turma, por ter os cabelos mais compridos nem os olhos mais sobressaídos. Não
se tratava disso.
A pequena Mariana começou a aperceber-se de
que já todas as raparigas da turma se começavam a preocupar em ter as unhas
pintadas, em deixar de jogar as escondidas e a apanhada para dar voltas no
recreio e reparar qual dos rapazes tinha mais a ver com elas.
Nessas alturas, a pequena Mariana não tinha
como esconder a sua indiferença perante essas mínimas coisas a que todas as
meninas ligavam. Chegando ao ponto de se isolar, passando os intervalos
sozinha, como se estivesse perdida no meio de recreio enquanto os rapazes
jogavam à bola e as meninas “fofocavam” acerca de tudo.
Deixava-me ficar perto das árvores com um
olhar de medo e insegurança. O movimento apenas existia no meu cabelo que se
mexia com o soprar do vento.
Eu
preferia ver as raparigas do primeiro e do segundo ano a brincarem ao elástico,
a fazerem os jogos das mãos e a saltarem à corda, só não entendia porque é que
nós não continuávamos a ser as mesmas meninas que brincavam a tudo aquilo.
Porque é que os nossos interesses mudaram e deixamos de nos lembrar das nossas
brincadeiras?! Certamente agora até as nossas festas de anos iram mudar, é
possível que deixe de existir as gincanas de que todas as famílias adoravam
para o convívio e desenvolvimento do nosso sentido de responsabilidade (era uma
coisa de que os adultos falavam, mas que eu nunca consegui entender o que
queriam dizer com isso), mas sempre que pensava nisso, deixava-me triste, pois
parecia que tudo aquilo que fomos, não iríamos ser mais.
Mais tarde, comecei a aperceber-me que o
problema não era eu, não eram elas, era estarmos a crescer.
Eu não
queria ser “grande”, eu não tinha pressa em experimentar os saltos altos da
mãe, curiosamente, só o fiz uma vez e não gostei, achei que em vez de suportar
as responsabilidades na cabeça, parecia ter que as “carregar” nos pés.
Foi estranho, de certa forma incomodativo,
pois não era isso que eu queria. Queria continuar a jogar às escondidas, a
saltar à corda e ter pressa de fazer apenas uma coisa, ir para os baloiços.
E sabem
porquê? Porque costumava ouvir a minha irmã dizer que ser adulto era ter
responsabilidades, ser adulto era ter preocupações e deixar de ter tempo para
brincar e por vezes até para nós mesmo por termos de dedicar o nosso tempo a
tentar construir um futuro bom para nós. Isso parecia complicado para mim, como
é que nós podíamos ter de construir um futuro? Mas, isso não acontece sozinho?
Questionava-me
vezes sem conta destas pequenas coisas, pois elas não faziam sentido na minha
cabeça. Até que tive a minha primeira responsabilidade. A mãe mandou-me ir a
mercearia as 17horas, mas, ela sabia o quão me assustava pensar que tinha de ir
sozinha, tentei explicar-lhe isso, mas não adiantou.
Perto da hora, resolvi arranjar coragem para o
fazer, lembrei-me de que tinha de fazer tudo como se já fosse “grande”, então,
fui buscar as chaves para trancar a porta, calcei as sapatilhas e lá fui eu.
Estava com
medo, de certa forma aquilo implicava que fosse apenas um adulto por uns
minutos, nesta altura, já tinha doze anos e estava na altura de o tentar fazer.
Lá fui, fi-lo correctamente como a mãe queria
e regressei a casa. Surpreendentemente minutos depois de entrar em casa chegou
a minha irmã, estranhei, mas nada disse. Ela dirigiu-se ao meu quarto e disse:
- “Parabéns Mariana! Eu sei que no meio de tanto
mimo é sempre difícil crescer, eu passei pelo mesmo, tal como tu e se calhar
até com mais medos que tu, mas, cresci e aprendi a fazer as coisas sozinha e
hoje, segui-te e estavas tal e qual eu na primeira vez que a mãe me pediu para
o fazer. Fizeste-o correctamente e agora, achas que esta foi a primeira
responsabilidade que tiveste, não é?”
Não soube bem o que lhe dizer, sorri sem lhe
dizer uma única palavra e ela sem me dar tempo de abrir a boca, voltou a
dizer-me outras palavras.
- “Estás
errada, nunca vi ninguém que quando estivesse doente tomasse os medicamentos na
hora certa! E sabes o que é isso? É responsabilidade. Seres responsável não
implica que faças as coisas sozinha, mas, que as controles para que corram bem”
Percebi que a minha irmã só me estava a
ajudar, só me estava a dizer coisas bonitas e sentidas, corri para os braços
dela sem lhe dizer qualquer palavra.
Será possível que já era responsável por mim
mesma desde sempre, basicamente? Que forma estratégica era esta de viver? Meu
deus, estava chocadíssima com a minha própria realidade. São incríveis as
coisas que fazia inconscientemente!
Nos dias de hoje, quando olho para trás
revejo-me naquilo que hoje sou, não significa que hoje, com dezasseis anos
permaneça com os mesmos medos, mas revejo que todos eles me tornaram forte,
capaz de ultrapassar qualquer obstáculo que a vida me apresentasse e nessa
altura apercebi-me de que “aquilo que não nos mata, nos torna mais fortes!”
Agora, na
minha idade, todas as raparigas voltam a fazer-me lembrar as minhas amigas da
escola, todas querem agradar alguém ou querem despertar a atenção de algum
rapaz. Eu também já me sinto bem em fazê-lo, mas não quero desiludir-me nem
sequer dizer o que todas as mulheres dizem quando querem dizer que algum homem
as deixou mal e dizem-se “sofrer por amor”.
Esses não
eram os planos para a minha vida, e, nem sequer quero desperdiçar uma única
lágrima quando o meu pai sempre me ensinou que apenas ele, era o único homem
desde mundo a merecer uma lágrima minha, não fosse ele o homem da minha vida.
Meses depois, inconscientemente, à porta da
escola trocava olhares com um rapaz de uma outra turma, fazia-o da forma mais
pura do universo, sem sequer imaginar que isso pudesse fazê-lo entender as
coisas de outra maneira.
Quando
chegava a escola, sentia uma forte necessidade de o procurar pelos corredores,
arranjava mil e uma desculpas para percorrer a escola em busca de mais um
olhar. Os dias foram passando e para além dos olhares, nem mais um sinal. Até
ao dia em que fui surpreendida por ele, pela vida, por mim, enquanto me dirigia
para o portão, avistava-o bem de longe, e conforme me aproximava, continuavam a
persistir os olhares até que me desperta a atenção um sorriso, um forte
sorriso. Não podia acreditar, nem podia crer que era para mim. A minha insegurança
falou mais alto e eu não correspondi as expectativas dele, talvez… Regressei a
casa, mas não me saía da cabeça aquela imagem.
No dia seguinte, volto a vê-lo na minha direcção,
pensei que fosse acontecer o mesmo que no dia anterior, mas não. Olhando sempre
para os olhos dele, ele aproximasse e pergunta-me “Como te chamas?”, por
momentos, pensei que estivesse a sonhar e que isto não me pudesse estar a
acontecer. Respondi-lhe “Mariana, chamo-me Mariana”, num ato de vergonha.
Oiço a
campainha tocar e apresso-me a regressar à sala de aula. Quando viro as costas
ele vem atrás de mim e dá-me um bilhete, não o quis ler, pois não queria que
mais ninguém visse.
Fui para a
aula com curiosidade e não aguentei mais, pedi ao professor se podia ir à casa
de banho e levei o bilhete. Mal entrei na cabine abri-o e dizia “… vem ter
comigo na hora de almoço, estou na parte de trás da escola à tua espera. Um
beijinho.” Rapidamente percebi que as reticencias marcavam o meu nome, que na
altura ele ainda desconhecia.
Voltei para
a sala, deveria ter chegado com o sorriso mais parvo e mais rasgado de qualquer
outro rosto dos meus colegas, incrivelmente, tudo aquilo me inspirava
felicidade, parecia estar a viver um romance de telenovela.
As aulas
terminaram e fiz o meu caminho habitual para a paragem, quando lá cheguei
encontrei um papel no chão a dizer “MARIANA”, não podia acreditar, estaria eu
mesmo num conto de fadas? Numa série de televisão? Não sabia, mas continuava a
dizer a mim mesma que não me queria apaixonar.
Passos à
frente encontrei-o! A minha primeira atitude foi perguntar-lhe o nome, com um
sorriso rasgado (mais que o meu, possivelmente) oiço, “Afonso”.
Entretanto,
segundos depois, avisto o autocarro, dirijo-me ao meu novo amigo Afonso e
dou-lhe um beijinho, seguindo de um “Até amanhã!” e assim entrei no autocarro. Não
sabia como agir, a minha vida estava a dar voltas por cima de mim mesma, seria sinceramente
real tudo o que eu estava a ter, ver, ouvir e sentir?
Querem saber um segredo?
Não senti os medos das coisas que a minha irmã me contava, não queria saber que
raio de relação estaria eu a ter, o que sentia, era bem mais forte. Inesperadamente
admiti a mim mesma, “Mariana, estás apaixonada!”.